Para estabelecer considerações e reflexões sobre o conceito de sociedade civil em Gramsci, cabe definir algumas explicações sobre este conceito e sobre seu par antiético que é o Estado a partir da filosofia política clássica.
A única maneira possível de tornar as relações sociais entre os homens é através da figura política do Estado, este visto como sendo a única construção social racional, de acordo com os pensadores Hobbes, Locke, Kant e Hegel. Para estes pensadores o Estado significa a forma mais regulada de se estabelecer um processo de “civilização”. Hobbes, Kant e Hegel, se filiam na tradição jusnaturalista - propondo modelos ideais de Estado, dentro de uma linha de pensamento que se norteia por idéias antropológicas e filosóficas formal universalistas, vistas como requisitos e princípios para se atingir determinados fins, como por exemplo a exclusão ou “reversão-renovação” do estado da natureza através do “Estado civil”(Hobbes), ou como a regulamentação e o aperfeiçoamento da sociedade natural através do Estado (Kant), Hegel no entanto, em sua “Filosofia do Direito”, propões o triunfo do Estado como movimento real, significa que o Estado deve ser superado e ao mesmo tempo conservado, traduzindo-se em um novo momento e não um simples aprimoramento da sociedade natural.
Para Hobbes o Estado deve excluir definitivamente o estado natural e para Locke ele deve conter a sociedade civil -, vista como uma sociedade natural, que legitimará seus fins sem superá-los, enquanto para Hegel o estado não pode se constituir mais numa universalidade meramente formal, mas sim numa realidade orgânica, onde a sociedade civil se envolva através de um processo de historização da sociedade natural dos jusnaturalistas.(Norbeto Bobbio, in “Gramsci e a concepção da sociedade civil”, Ensaios escolhidos, São Paulo, Cardim Ed., s.d., p. 203-232)
Em Marx e Engels, por sua vez, o “Estado deixa de ser a realidade do conceito ético, o racional em si e por si, para tornar-se a violência concentrada e organizada pela sociedade”(Marx apud Bobbio, s.d., pag. 207). Para estes autores, o Estado não desempenha um processo de racionalização ética de sociedade civil, mas conserva, prolonga e estabiliza o estado natural; aquela, porém, vista como historicamente condicionada por determinadas formas de produção e relações sociais. O Estado por eles é visualizado como mero aparelho repressivo - o primado da força não é suprimido, mas conservado através da luta, não de todos contra todos, mas de uma classe contra outra. Sendo assim, o Estado se reduz a um instrumento da classe dominante para garantir a opressão e a exploração das classes sociais dominadas, visando assegurar, não uma exigência nacional universal, mas seus interesses particulares.
“ O Estado contém a sociedade civil não para resolve-la em algo diferente, mas para conservá-la como é. Historicamente determinada, a sociedade civil não desaparece no Estado, mas nele se manifesta com todas as sua determinações concretas”(Bobbio, s.d., p.207).
As percepções de Marx em relação as diversas formas de expressão do Estado e as relações jurídicas, têm exclusivamente suas raízes nas relações materiais da existência. Para Marx, portanto, o Estado - visto como historicamente determinado por interesses particularistas e não universais e por uma conformação coercitivo-repressiva e não ética, sendo compreendido como uma instituição de caráter transitório e não permanente.
Antonio Gramsci, adere a compreensão marxista de que o Estado no capitalismo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento subordinado a serviços dos interesses particulares de uma classe, o qual, mesmo por isso, deve desaparecer com a superação da sociedade capitalista. Mas ele amplia esta teoria restrita do Estado de Marx e Engels aduzindo novos elementos e novas determinações a esta compreensão.
Esta ampliação da teoria de Gramsci, envolve tanto a sociedade política como a sociedade civil; a coerção como a hegemonia; a dominação como a direção; o poder como o consenso. De acordo com esta teoria, o momento da força deve ser encarado apenas como algo instrumental, e, por conseguinte, subordinado ao momento da hegemonia. Para Gramsci, não pode haver uma efetiva conquista do poder sem a conquista de uma real hegemonia política e cultural; sem a formação de uma vontade coletiva e sem uma reforma intelectual e moral que repercuta sobre a cultura do “senso comum”, elevando-a.
Em sua teoria ampliada do Estado, Gramsci estabelece dois planos superestruturais. O primeiro está para ele naquele momento “que se pode denominar de sociedade civil, isto é, o conjunto de organismos vulgarmente considerados privados”. O segundo plano coincide com a idéia de sociedade política, ou Estado, os dois planos juntos correspondem à função de hegemonia(Gramsci, in Os intelectuais e a organização da cultura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982).
Ao contrário de Marx, o qual a sociedade civil compreende todo o complexo das relações materiais” -, para Gramsci a sociedade civil compreende o complexo das relações ideológicas e culturais; o complexo da vida espiritual e intelectual. A representação da sociedade civil como momento ativo e positivo do desenvolvimento histórico, se faz presente tanto em Marx como em Gramsci. Em Gramsci , portanto, a sociedade civil não consiste no sistema das necessidades, isto é, das relações econômicas, enquanto momento inicial em que explodem as contradições sociais-, mas no conjunto de instituições que regulam este sistema de relações e contradições. Esta inflexão que Gramsci opera na visão de sociedade civil é decisiva na forma como ele concebe a relação entre estrutura e superestrutura.
Enquanto para Marx, nas relações entre estrutura e superestrutura, o primeiro elemento é primário e subordinante e o segundo secundário e subordinado, para Gramsci estas duas instâncias compõe um todo complexo em que as relações não são simples e diretas:
“A história de um povo não é documentada exclusivamente por fatos econômicos. O desdobramento da causação é complexo, intrincado; para esclarecê-lo é necessário o estudo aprofundado e amplo de toda as atividades espirituais e práticas.”(Gramsci apud Bobbio. s.d., p.219)
Na visão gramsciana a ação política e cultural não é determinada de modo direto pela estrutura econômica. Antes, ela , a ação política, é precisada e interpretada de acordo como são compreendidas e traduzidas as leis que regulam o desenvolvimento econômico e o próprio desenvolvimento político. Gramsci entende que é na consciência dos homens - constituída na sociedade civil pela mediação ideológica, que se dá uma elaboração superior da estrutura e m superestrutura, através da passagem do momento e do comportamento econômico-corporativo(passivo) em momento ético-político ativo e consciente.
Para fazermos considerações sobre hegemonia e partido político em Gramsci, precisamos estabelecer reflexões sobre Marx e Engels em relação ao Estado, estes por sua vez, não definem uma teoria de Estado. Havendo apenas generalidades, onde o Estado, por exemplo é sempre da classe dominante. Porém, Marx e Engels, não se debruçaram sobre a especificidade do Estado. Ao contrário, relegou a um segundo plano a formulação de uma teoria materialista do Estado, o que, em parte compreensível na medida em que uma de suas primeiras polêmicas foi justamente a respeito da teoria hegeliana do Direito e do Estado, envolvidos pelo véu idealista. Durante o período da Segunda Internacional, a incapacidade de produzir por menor que fosse um avanço em relação aos fundadores do materialismo histórico no que diz respeito ao aprofundamento de uma visão marxista do Estado. Lênin em seu livro, O Estado e a Revolução, escapa do dogmatismo da abordagem e das generalidades sobre a concepção. Aliás, a obra de Lênin é muito mais uma estratégia de destruição da máquina estatal do que um avanço sobre as concepções de Marx após os acontecimento da Comuna de Paris de 1871. Explica-se esta atitude de Lênin, pois vivia a iminência da revolução socialista e tratava-se então de preparar as massas para assumir o poder em um momento de crise do estado Tzarista ou de crise do Estado em geral. Após Lênin, nenhuma das correntes da social-democracia internacional aprofundará a questão, nem a direita de Bernstein, nem o centro Kautskista, nem a esquerda revolucionária, de Lukács e Karl Korsch a Rosa de Luxemburg ou os bolcheviques como Trotsky e Bukharin.
Esta tarefa caberá ao italiano Antônio Gramsci.
Gramsci se insurge contra aquilo que ele considera o equívoco mortal de uma compreensão inexata do marxismo e/ou de materialismo histórico: o economicismo. Para Gramsci, todo erro em política deve-se a uma compreensão inexata do Estado e este erro tem origem na história do movimento operário e da teoria marxista. Este erro é o economicismo. Segundo Gramsci, a crítica do economicismo não é mais do que um efeito de uma conjuntura histórica na qual o restabelecimento da dialética revolucionária contra as interpretações e as práticas reformistas da Segunda Internacional. Assim, enquanto critica o economicismo, crítica contínua,- estamos diante de toda uma interpretação teórica de marxismo, de toda uma hipótese estratégica sobre a revolução no ocidente e o problema do socialismo em um único país.
A análise de Gramsci não se limita meramente a conjuntura. Trata-se de uma crítica metodológica as mais variadas posições sobre o materialismo histórico, desde o ultra esquerdismo ao liberalismo burguês, passando pelas posições predominantes no interior mesmo do marxismo.
Percebe-se que há um claro parentesco entre Gramsci e Lênin em relação à crítica do economicismo. Esta afinidade no entanto não pressupõe que Gramsci aplique o leninismo, mas em desenvolver idéias esboçadas por Lênin. Ou seja, a retomada do conjunto da problemática em uma nova fase de luta de classes, diante de uma realidade distinta daquela em que Lenin desenvolveu as suas teorias.
Assim, uma leitura de Gramsci, de sua crítica ao economicismo sob as sua mais diferentes formas, leva-nos a distinção entre guerra de movimento e guerra de posição. A guerra de movimento, segundo Gramsci, define o momento histórico da atualidade da revolução, quando a luta de classes torna-se frontal.
A guerra de posição, por outro lado, situa-se em um momento mais complexo da luta de classes seja pela impossibilidade da revolução(fase defensiva), seja pelo desenvolvimento de um processo de longo prazo, que exige, segundo Gramsci em seu Maquiavel, uma concentração inédita da hegemonia.
“A resistência passiva de Ghandi é uma guerra de posição, que se torna guerra de movimento em certos momentos e subterrânea noutros: a boicotagem é guerra de posição, as greves são guerra de movimento, a preparação clandestina de armas e de elementos combativos de assalto é guerra subterrânea.”(Gramsci, pág. 356)
Portanto, como princípio de periodização histórica e hipótese estratégica, a guerra de posição constitui um conceito universal de ciência política e justamente esse princípio é uma das maiores contribuições de Gramsci ao desenvolvimento da teoria marxista. A crítica do economicismo e o aprofundamento da questão do Estado estão sobre determinados por uma situação histórica. Para Gramsci, “...a guerra de posição que era a única possível no ocidente...”(pág. 366) Mas é preciso aprofundar a questão, superando-se as abstrações e as generalidades. Abstratamente, podemos analisar que para Gramsci Estado e estratégia são indissolúveis. É necessário portanto, unir as abstrações teóricas gerais, como Estado, sociedade civil, sociedade política, e as abstrações históricas determinadas, como tal tipo de Estado, tal tipo de hegemonia. Assim a crítica do economicismo funciona como instrumento de análise da crise do capitalismo e revela-se inseparável do estudo dos tipos de hegemonia em suas relações com o Estado, seja ele liberal, fascista ou socialista.
Para Gramsci, o economicismo é uma herança da ideologia liberal. E este equívoco teórico do economicismo burguês é a separação da sociedade civil e do Estado. O aprofundamento do conceito de Estado nos remete a uma crítica da ideologia específica do modo de produção capitalista, que é precisamente esta separação entre o Estado e sociedade civil, entre o Estado e a economia.
Gramsci, percebe a especificidade do problema do Estado e ao retomar no interior do materialismo histórico o conceito de sociedade civil, não se coloca numa posição numa pré-marxista, hegeliana ou liberal. Para Gramsci, o Estado é a organização política da classe dominante, burguesa. É a classe burguesa em sua forma concreta. Não se limitando a generalidades Gramsci, demonstrando que o economicismo burguês pode perfeitamente se combinar com o economicismo marxista, ou seja, a incapacidade de uma análise dialética.
O tempo na concepção marxista gramsciana é da mais alta relevância, já que ele coloca claramente a questão da iminência(guerra de movimento) ou do atraso(guerra de posição) da revolução. Assim, para Gramsci, não existe nível econômico puro, e ele diz claramente nas Notas sobre Maquiavel: “uma iniciativa política apropriada é sempre necessária para liberar o elan econômico”.
Portanto, é importante frisar a unidade entre política e economia do ponto de vista metodológico, especialmente da categoria da totalidade. Isto significa que Gramsci não relega a um segundo plano as relações de produção. Pelo contrário, compreende a sua materialidade e a sua determinação. Mas, ao mesmo tempo, recupera o conteúdo. não fatalista do marxismo, ou seja compreende o papel decisivo do sujeito, da ideologia e da vontade. Para Gramsci, a história não está dada de antemão e a vontade exerce nela um papel essencial, tão importante como os fatos econômicos. É isto que torna essencial o papel do partido, como o moderno príncipe, como educador, como intelectual orgânico e coletivo, essencial na luta pela hegemonia, a qual, enfatize-se, é fundamental para a dominação da classe. Portanto, a história não se resolve de maneira automática, pela rebelião sem sujeito das forças produtivas contra as relações de produção. A ideologia e o Estado exercem um poder coercitivo que faz parte da dominação. A coerção que está presente na relação de poder e que oscila, o efetivo uso do poder, deve ser estendida não na sua forma extrema, ou seja, o uso da força física. Na luta de classes, a ideologia exerce um papel decisivo para o desfecho da guerra. E a história tem provado que as mais violentas crises econômicas não conduzem necessariamente a revolução. Mas, ao contrário, tem servido para uma nova expansão capitalista. este resultado negativo para o campo socialista se deve em grande parte à permanência do economicismo, que conduziu a esterilidade teórica e a simplificação do marxismo ou, o que talvez seja ainda pior, à sua transformação de método científico em uma pura análise conjuntural.
A luta pela hegemonia, que Gramsci compreendeu mais do que qualquer outro pensador marxista, supõe uma concepção mais universal da luta de classes, que é a negação da concepção simplista e puramente abstrata da redução economicista da contradição burguesia/proletariado. Nesse sentido, redobra em importância a concepção materialista da sociedade civil onde ocorre a luta pela hegemonia, onde a concepção de classe trabalhadora se opõe como resposta para a hegemonia burguesa, mas não se põe como exclusiva da classe trabalhadora, e sim como uma perspectiva universalizante. Ou para usar a frase de Marx, ao se emancipar, a classe operária emancipa a humanidade inteira.
Bibliografia
Gramsci, Antonio. Obras escolhidas. Lisboa. Ed. Estampa.A única maneira possível de tornar as relações sociais entre os homens é através da figura política do Estado, este visto como sendo a única construção social racional, de acordo com os pensadores Hobbes, Locke, Kant e Hegel. Para estes pensadores o Estado significa a forma mais regulada de se estabelecer um processo de “civilização”. Hobbes, Kant e Hegel, se filiam na tradição jusnaturalista - propondo modelos ideais de Estado, dentro de uma linha de pensamento que se norteia por idéias antropológicas e filosóficas formal universalistas, vistas como requisitos e princípios para se atingir determinados fins, como por exemplo a exclusão ou “reversão-renovação” do estado da natureza através do “Estado civil”(Hobbes), ou como a regulamentação e o aperfeiçoamento da sociedade natural através do Estado (Kant), Hegel no entanto, em sua “Filosofia do Direito”, propões o triunfo do Estado como movimento real, significa que o Estado deve ser superado e ao mesmo tempo conservado, traduzindo-se em um novo momento e não um simples aprimoramento da sociedade natural.
Para Hobbes o Estado deve excluir definitivamente o estado natural e para Locke ele deve conter a sociedade civil -, vista como uma sociedade natural, que legitimará seus fins sem superá-los, enquanto para Hegel o estado não pode se constituir mais numa universalidade meramente formal, mas sim numa realidade orgânica, onde a sociedade civil se envolva através de um processo de historização da sociedade natural dos jusnaturalistas.(Norbeto Bobbio, in “Gramsci e a concepção da sociedade civil”, Ensaios escolhidos, São Paulo, Cardim Ed., s.d., p. 203-232)
Em Marx e Engels, por sua vez, o “Estado deixa de ser a realidade do conceito ético, o racional em si e por si, para tornar-se a violência concentrada e organizada pela sociedade”(Marx apud Bobbio, s.d., pag. 207). Para estes autores, o Estado não desempenha um processo de racionalização ética de sociedade civil, mas conserva, prolonga e estabiliza o estado natural; aquela, porém, vista como historicamente condicionada por determinadas formas de produção e relações sociais. O Estado por eles é visualizado como mero aparelho repressivo - o primado da força não é suprimido, mas conservado através da luta, não de todos contra todos, mas de uma classe contra outra. Sendo assim, o Estado se reduz a um instrumento da classe dominante para garantir a opressão e a exploração das classes sociais dominadas, visando assegurar, não uma exigência nacional universal, mas seus interesses particulares.
“ O Estado contém a sociedade civil não para resolve-la em algo diferente, mas para conservá-la como é. Historicamente determinada, a sociedade civil não desaparece no Estado, mas nele se manifesta com todas as sua determinações concretas”(Bobbio, s.d., p.207).
As percepções de Marx em relação as diversas formas de expressão do Estado e as relações jurídicas, têm exclusivamente suas raízes nas relações materiais da existência. Para Marx, portanto, o Estado - visto como historicamente determinado por interesses particularistas e não universais e por uma conformação coercitivo-repressiva e não ética, sendo compreendido como uma instituição de caráter transitório e não permanente.
Antonio Gramsci, adere a compreensão marxista de que o Estado no capitalismo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento subordinado a serviços dos interesses particulares de uma classe, o qual, mesmo por isso, deve desaparecer com a superação da sociedade capitalista. Mas ele amplia esta teoria restrita do Estado de Marx e Engels aduzindo novos elementos e novas determinações a esta compreensão.
Esta ampliação da teoria de Gramsci, envolve tanto a sociedade política como a sociedade civil; a coerção como a hegemonia; a dominação como a direção; o poder como o consenso. De acordo com esta teoria, o momento da força deve ser encarado apenas como algo instrumental, e, por conseguinte, subordinado ao momento da hegemonia. Para Gramsci, não pode haver uma efetiva conquista do poder sem a conquista de uma real hegemonia política e cultural; sem a formação de uma vontade coletiva e sem uma reforma intelectual e moral que repercuta sobre a cultura do “senso comum”, elevando-a.
Em sua teoria ampliada do Estado, Gramsci estabelece dois planos superestruturais. O primeiro está para ele naquele momento “que se pode denominar de sociedade civil, isto é, o conjunto de organismos vulgarmente considerados privados”. O segundo plano coincide com a idéia de sociedade política, ou Estado, os dois planos juntos correspondem à função de hegemonia(Gramsci, in Os intelectuais e a organização da cultura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982).
Ao contrário de Marx, o qual a sociedade civil compreende todo o complexo das relações materiais” -, para Gramsci a sociedade civil compreende o complexo das relações ideológicas e culturais; o complexo da vida espiritual e intelectual. A representação da sociedade civil como momento ativo e positivo do desenvolvimento histórico, se faz presente tanto em Marx como em Gramsci. Em Gramsci , portanto, a sociedade civil não consiste no sistema das necessidades, isto é, das relações econômicas, enquanto momento inicial em que explodem as contradições sociais-, mas no conjunto de instituições que regulam este sistema de relações e contradições. Esta inflexão que Gramsci opera na visão de sociedade civil é decisiva na forma como ele concebe a relação entre estrutura e superestrutura.
Enquanto para Marx, nas relações entre estrutura e superestrutura, o primeiro elemento é primário e subordinante e o segundo secundário e subordinado, para Gramsci estas duas instâncias compõe um todo complexo em que as relações não são simples e diretas:
“A história de um povo não é documentada exclusivamente por fatos econômicos. O desdobramento da causação é complexo, intrincado; para esclarecê-lo é necessário o estudo aprofundado e amplo de toda as atividades espirituais e práticas.”(Gramsci apud Bobbio. s.d., p.219)
Na visão gramsciana a ação política e cultural não é determinada de modo direto pela estrutura econômica. Antes, ela , a ação política, é precisada e interpretada de acordo como são compreendidas e traduzidas as leis que regulam o desenvolvimento econômico e o próprio desenvolvimento político. Gramsci entende que é na consciência dos homens - constituída na sociedade civil pela mediação ideológica, que se dá uma elaboração superior da estrutura e m superestrutura, através da passagem do momento e do comportamento econômico-corporativo(passivo) em momento ético-político ativo e consciente.
Para fazermos considerações sobre hegemonia e partido político em Gramsci, precisamos estabelecer reflexões sobre Marx e Engels em relação ao Estado, estes por sua vez, não definem uma teoria de Estado. Havendo apenas generalidades, onde o Estado, por exemplo é sempre da classe dominante. Porém, Marx e Engels, não se debruçaram sobre a especificidade do Estado. Ao contrário, relegou a um segundo plano a formulação de uma teoria materialista do Estado, o que, em parte compreensível na medida em que uma de suas primeiras polêmicas foi justamente a respeito da teoria hegeliana do Direito e do Estado, envolvidos pelo véu idealista. Durante o período da Segunda Internacional, a incapacidade de produzir por menor que fosse um avanço em relação aos fundadores do materialismo histórico no que diz respeito ao aprofundamento de uma visão marxista do Estado. Lênin em seu livro, O Estado e a Revolução, escapa do dogmatismo da abordagem e das generalidades sobre a concepção. Aliás, a obra de Lênin é muito mais uma estratégia de destruição da máquina estatal do que um avanço sobre as concepções de Marx após os acontecimento da Comuna de Paris de 1871. Explica-se esta atitude de Lênin, pois vivia a iminência da revolução socialista e tratava-se então de preparar as massas para assumir o poder em um momento de crise do estado Tzarista ou de crise do Estado em geral. Após Lênin, nenhuma das correntes da social-democracia internacional aprofundará a questão, nem a direita de Bernstein, nem o centro Kautskista, nem a esquerda revolucionária, de Lukács e Karl Korsch a Rosa de Luxemburg ou os bolcheviques como Trotsky e Bukharin.
Esta tarefa caberá ao italiano Antônio Gramsci.
Gramsci se insurge contra aquilo que ele considera o equívoco mortal de uma compreensão inexata do marxismo e/ou de materialismo histórico: o economicismo. Para Gramsci, todo erro em política deve-se a uma compreensão inexata do Estado e este erro tem origem na história do movimento operário e da teoria marxista. Este erro é o economicismo. Segundo Gramsci, a crítica do economicismo não é mais do que um efeito de uma conjuntura histórica na qual o restabelecimento da dialética revolucionária contra as interpretações e as práticas reformistas da Segunda Internacional. Assim, enquanto critica o economicismo, crítica contínua,- estamos diante de toda uma interpretação teórica de marxismo, de toda uma hipótese estratégica sobre a revolução no ocidente e o problema do socialismo em um único país.
A análise de Gramsci não se limita meramente a conjuntura. Trata-se de uma crítica metodológica as mais variadas posições sobre o materialismo histórico, desde o ultra esquerdismo ao liberalismo burguês, passando pelas posições predominantes no interior mesmo do marxismo.
Percebe-se que há um claro parentesco entre Gramsci e Lênin em relação à crítica do economicismo. Esta afinidade no entanto não pressupõe que Gramsci aplique o leninismo, mas em desenvolver idéias esboçadas por Lênin. Ou seja, a retomada do conjunto da problemática em uma nova fase de luta de classes, diante de uma realidade distinta daquela em que Lenin desenvolveu as suas teorias.
Assim, uma leitura de Gramsci, de sua crítica ao economicismo sob as sua mais diferentes formas, leva-nos a distinção entre guerra de movimento e guerra de posição. A guerra de movimento, segundo Gramsci, define o momento histórico da atualidade da revolução, quando a luta de classes torna-se frontal.
A guerra de posição, por outro lado, situa-se em um momento mais complexo da luta de classes seja pela impossibilidade da revolução(fase defensiva), seja pelo desenvolvimento de um processo de longo prazo, que exige, segundo Gramsci em seu Maquiavel, uma concentração inédita da hegemonia.
“A resistência passiva de Ghandi é uma guerra de posição, que se torna guerra de movimento em certos momentos e subterrânea noutros: a boicotagem é guerra de posição, as greves são guerra de movimento, a preparação clandestina de armas e de elementos combativos de assalto é guerra subterrânea.”(Gramsci, pág. 356)
Portanto, como princípio de periodização histórica e hipótese estratégica, a guerra de posição constitui um conceito universal de ciência política e justamente esse princípio é uma das maiores contribuições de Gramsci ao desenvolvimento da teoria marxista. A crítica do economicismo e o aprofundamento da questão do Estado estão sobre determinados por uma situação histórica. Para Gramsci, “...a guerra de posição que era a única possível no ocidente...”(pág. 366) Mas é preciso aprofundar a questão, superando-se as abstrações e as generalidades. Abstratamente, podemos analisar que para Gramsci Estado e estratégia são indissolúveis. É necessário portanto, unir as abstrações teóricas gerais, como Estado, sociedade civil, sociedade política, e as abstrações históricas determinadas, como tal tipo de Estado, tal tipo de hegemonia. Assim a crítica do economicismo funciona como instrumento de análise da crise do capitalismo e revela-se inseparável do estudo dos tipos de hegemonia em suas relações com o Estado, seja ele liberal, fascista ou socialista.
Para Gramsci, o economicismo é uma herança da ideologia liberal. E este equívoco teórico do economicismo burguês é a separação da sociedade civil e do Estado. O aprofundamento do conceito de Estado nos remete a uma crítica da ideologia específica do modo de produção capitalista, que é precisamente esta separação entre o Estado e sociedade civil, entre o Estado e a economia.
Gramsci, percebe a especificidade do problema do Estado e ao retomar no interior do materialismo histórico o conceito de sociedade civil, não se coloca numa posição numa pré-marxista, hegeliana ou liberal. Para Gramsci, o Estado é a organização política da classe dominante, burguesa. É a classe burguesa em sua forma concreta. Não se limitando a generalidades Gramsci, demonstrando que o economicismo burguês pode perfeitamente se combinar com o economicismo marxista, ou seja, a incapacidade de uma análise dialética.
O tempo na concepção marxista gramsciana é da mais alta relevância, já que ele coloca claramente a questão da iminência(guerra de movimento) ou do atraso(guerra de posição) da revolução. Assim, para Gramsci, não existe nível econômico puro, e ele diz claramente nas Notas sobre Maquiavel: “uma iniciativa política apropriada é sempre necessária para liberar o elan econômico”.
Portanto, é importante frisar a unidade entre política e economia do ponto de vista metodológico, especialmente da categoria da totalidade. Isto significa que Gramsci não relega a um segundo plano as relações de produção. Pelo contrário, compreende a sua materialidade e a sua determinação. Mas, ao mesmo tempo, recupera o conteúdo. não fatalista do marxismo, ou seja compreende o papel decisivo do sujeito, da ideologia e da vontade. Para Gramsci, a história não está dada de antemão e a vontade exerce nela um papel essencial, tão importante como os fatos econômicos. É isto que torna essencial o papel do partido, como o moderno príncipe, como educador, como intelectual orgânico e coletivo, essencial na luta pela hegemonia, a qual, enfatize-se, é fundamental para a dominação da classe. Portanto, a história não se resolve de maneira automática, pela rebelião sem sujeito das forças produtivas contra as relações de produção. A ideologia e o Estado exercem um poder coercitivo que faz parte da dominação. A coerção que está presente na relação de poder e que oscila, o efetivo uso do poder, deve ser estendida não na sua forma extrema, ou seja, o uso da força física. Na luta de classes, a ideologia exerce um papel decisivo para o desfecho da guerra. E a história tem provado que as mais violentas crises econômicas não conduzem necessariamente a revolução. Mas, ao contrário, tem servido para uma nova expansão capitalista. este resultado negativo para o campo socialista se deve em grande parte à permanência do economicismo, que conduziu a esterilidade teórica e a simplificação do marxismo ou, o que talvez seja ainda pior, à sua transformação de método científico em uma pura análise conjuntural.
A luta pela hegemonia, que Gramsci compreendeu mais do que qualquer outro pensador marxista, supõe uma concepção mais universal da luta de classes, que é a negação da concepção simplista e puramente abstrata da redução economicista da contradição burguesia/proletariado. Nesse sentido, redobra em importância a concepção materialista da sociedade civil onde ocorre a luta pela hegemonia, onde a concepção de classe trabalhadora se opõe como resposta para a hegemonia burguesa, mas não se põe como exclusiva da classe trabalhadora, e sim como uma perspectiva universalizante. Ou para usar a frase de Marx, ao se emancipar, a classe operária emancipa a humanidade inteira.
Bibliografia
Gramsci, Antonio. In Os intelectuais e a organização da cultura. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro 1982.
Gramsci, Antonio. Notas sobre Maquiavel, a política e o Estado moderno.
Bobbio, Norberto. In “Gramsci e a concepção da sociedade civil”, Ensaios escolhidos. São Paulo, Cardim Ed., s.d.