16 março, 2011

O apartheid no carnaval de Salvador


Todos sabemos que o carnaval é a festa mais popular do Brasil. Em Salvador, ele envolve o povo brasileiro e atrai milhares de visitantes do mundo todo. Correr atrás do trio elétrico nos circuitos Barra/Ondina ou Campo Grande é, sem dúvida, uma experiência inesquecível, mas é uma memória que nem todos podem vivenciar da mesma forma.

Salvador tem cerca de 80% de população negra, mas essa realidade não se reflete nos grandes blocos. O carnaval da cidade, cada vez mais mercantilizado, é feito para turistas e foliões de fora, em sua maioria brancos. O preço dos abadás varia de R$ 200 a R$ 1.500, tornando inacessível a participação da maioria da população local. Quem sustenta a festa nos bastidores são os “cordeiros” e foliões da pipoca, trabalhadores que seguram a corda dos blocos, garantindo acesso e segurança para os que pagam caro para se divertir. Esses trabalhadores recebem cerca de R$ 25, um suco e um pacote de biscoito, percorrem o trajeto sob sol intenso, ruas sujas e risco de contaminação, enquanto os foliões desfilam bem calçados e vestidos com roupas de grife.

Historicamente, o carnaval da Bahia nasceu da resistência negra e das tradições afro-brasileiras. Os negros, descendentes de escravizados, foram os responsáveis por criar a música, a dança, os ritmos e a alegria que hoje fazem do carnaval de Salvador um espetáculo reconhecido mundialmente. Manifestações como o afoxé, o samba de roda e os blocos afro nasceram da necessidade de afirmar identidade, resistir à opressão e celebrar a ancestralidade. No entanto, essa contribuição fundamental muitas vezes não encontra espaço de protagonismo nos grandes blocos de axé music e trios elétricos, que privilegiam o consumo, o turismo e a visibilidade midiática.

O apartheid no carnaval de Salvador é evidente: de um lado da corda, 99% de brancos se divertindo; do outro, negros trabalhando em condições precárias, sem segurança nem remuneração justa. Essa segregação não é apenas física: é social, econômica e racial. A exclusão do negro do centro da festa simboliza a persistência de desigualdades históricas, mesmo em uma celebração que nasceu de sua própria cultura. A festa que deveria celebrar diversidade, resistência e identidade afro-brasileira hoje evidencia exclusão, discriminação e marginalização de quem fez e ainda faz do carnaval um patrimônio cultural mundial.

Salvador dança, mas nem todos têm direito a festejar. O carnaval é da cidade, mas não é do povo negro. Enquanto uns celebram com conforto e visibilidade, outros trabalham invisíveis, garantindo que a alegria continue, mesmo à custa da sua própria dignidade. Como diria o poeta: de um lado, o carnaval; do outro, a fome, a desigualdade e a injustiça.


     Esta bandeira também é minha porque Sepé Tiarajú defendeu seu povo contra a colonização dos espanhóis e portugueses;      Esta bandeira...