Resumo: Pretende-se identificar neste
artigo a pressuposta rede de atendimento da Política de Assistência Social no
Município de Porto Alegre. Para tanto, elegeu-se a experiência de implementação
da política viabilizada pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC)
no período de 1992-2004, que corresponde às gestões designadas administração
popular. Esta reflexão transita entre concepções teóricas e empíricas de redes
de atendimento na busca de apreensão de suas aproximações e distâncias.
Discutir redes de assistência social é, sobretudo, contextualizá-la,
considerando suas relações internas, locais, regionais, nacionais, sociais,
econômicas e de classe. Nesse sentido, será abordada a questão da assistência social, a relação entre ações assistencialistas e emancipatórias e o atendimento em “redes” na experiência
da gestão da política municipal de assistência social.
Palavras-chaves: assistência social,
cidadania, emancipação, participação popular e redes.
NETS OF SOCIAL WORK
Abstract:
The present article searchs to identify net of attendance of the social work
politics in the city of Porto Alegre. Therefore, it was chosen experience of
implementation of the politics realized for the Foundation of Social Work and
Citizenship (FASC) in the period of 1992-2004, that it corresponds to the
appointed management’s popular administration. This reflection transits between
theoretical and empirical conceptions of nets of attendance in the search of
apprehension of its approaches and distances. Speak about net of attendance of
the social work is specially considering its internal relations, places,
regional, national, social, economic. In this direction will be augmented, the
question of the social work, the relation between of the social work and
emancipation and the attendance in "nets" in the experience of the
management of the municipal politics of social work.
Keywords: social work, citizenship,
emancipation, popular participation and nets;
APREsentação
Este artigo teve origem em debates sobre a distância
existente entre o meio acadêmico e as ações do cotidiano, entre os que
pensam a assistência social e os
implementadores. Pressupondo a ausência
de dicotomia entre teoria(s) e prática(s) - ambas se alimentam mutuamente - nos
dispusemos a desenvolver um esforço de aproximar a teoria da prática e a
prática da teoria. Nesse sentido, envidamos esforços para refletir sobre as
configurações das redes de atendimento da política municipal de assistência
social nas gestões da Administração Popular
de Porto Alegre, num contraponto a diferentes concepções de redes,
proporcionando o debate sobre as chamadas redes de atendimento. Nossa intenção
é identificar aproximações e distâncias entre concepções teóricas e empíricas
de redes - as que partes da compreensão e vivência dos atores envolvidos.
Assistência
ontem e hoje
A assistência tem permeado historicamente as
sociedades como forma de ação solidária entre os homens, visando a amenização
de situações aviltantes a sua própria existência. A chamada ajuda aos pobres desprovidos de
mínimas condições de vida, pode ser sinônimo de caridade, filantropia
desenvolvida pela igreja ou sociedade em geral. São protoformas da assistência.
Na sociedade capitalista pode ser um instrumento utilizado pela classe
dirigente ou Estado para conter os avanços dos movimentos reivindicatórios
populares, conjugado as pressões exercidas pelos trabalhadores, sendo assim, o
produto de conquista social, embora não apenas. É importante conceber a
assistência em sua interação com a dinâmica dos movimentos sociais, do Estado,
do mercado, das expressões da pobreza e da exclusão e da participação popular
que atravessam a sociedade. As abordagens teóricas não conseguem apreender,
explicitar essa dinâmica da realidade, contudo, é necessário um exercício
constante que possibilite capturar momentos do real. Com efeito, a assistência,
sua forma de trabalho, está inserida num contexto sócio-econômico político e
cultural que possibilita diferentes versões sobre o conceito de assistência,
conforme os diferentes estudiosos e os formatos ao longo da história social.
Em um passado ainda recente, anos 30,
assistencialismo, filantropia e assistência se confundiam, eram vistos como
sinônimos, sobretudo, no meio político e social. Contudo, o avanço nas
discussões e ações assistenciais, associadas às mobilizações de segmentos da
sociedade e Estado, na luta pela configuração da assistência como direito e não
benesse, produziram modificações profundas na compreensão da assistência e conseqüentemente
na luta política por uma alteração do seu estatuto no Brasil. Se nos primórdios do século XIX assistência
era prerrogativa de “moças boazinhas”, de damas de caridade ou da igreja, no
início do século XX, as demandas impostas pela sociedade, como as pressões do
proletariado, a criação dos sindicatos, entre outros, passa a exigir do Estado
uma resposta a chamada questão social. O assistencial vai adquirindo novas
conformações, numa dissonância entre os interesses do Estado de preservação da
estrutura capitalista e as demandas da população, ao mesmo tempo, se constitui
como espaço de articulação de pressões da classe trabalhadora no atendimento de
suas necessidades. O assistencial é neste
sentido campo concreto de acesso a bens e serviços, enquanto oferece uma face
menos perversa ao capitalismo. Obedece, pois, a interesses contraditórios,
sendo um espaço em que se imbricam as relações entre as classes e destas com o
Estado.(Yasbek, 1993 p.53).
A assistência
social como espaço regulado pela relação entre classe dirigente, Estado e
população desprovida de acesso a bens e serviços, assume historicamente novas
configurações. Num passado ainda
recente, sobretudo, no período do regime militar, prevalecia um padrão conservador,
ratificado na própria legislação e nas ações estatais e societárias, que a
considerava como algo residual. Hoje, cenário pós Constituição Federal, o país
emerge num processo de democratização em que assistência, vista como política
pública, procura romper com a tradição histórica conservadora. A política visa
à garantia de direitos ao cidadão e não de um programa de assistência. Para
tanto, se requer a participação da população, nas instâncias de elaboração e
formulação, bem como no controle da política de assistência social, que pode
ser assegurada quando se trabalha de forma articulada entre o Estado e a
sociedade civil, visando à constituição de uma rede, capaz de construir uma
nova formulação da ação da política, rompendo com a lógica conservadora de
atuação isolada. Esta idéia pode ser impulsionadora de novas formas,
estratégias que legitimem o processo de participação.
O cidadão deve tornar-se sujeito das conquista
sociais, contribuindo para a consolidação da cidadania e de sua emancipação,
embora não faça isso isolado de uma estrutura, de relações de classes, passando
a exercer um papel fundamental enquanto sujeito. Mudanças podem ocorrer a
partir do sujeito e da estrutura, do subjetivismo e do objetivismo, na tensão
dialética entre o velho e novo modus
operandi proposto pela política de
assistência.
Estado
e Pobreza
O Estado brasileiro vem modificando historicamente sua
forma de enfrentamento a pauperização da classe trabalhadora e à necessidade de
inserção dos excluídos do mercado de trabalho.
Desde o reconhecimento da questão social, como legal e legítima, até a
criação de um sistema de proteção social, ainda que seja com políticas focais,
fragmentadas, superpostas, o Estado tem respondido as reivindicações populares.
Isso ocorre no limite da reprodução da desigualdade social na sociedade
brasileira. Como afirma Demo, o Estado só garante cidadania se pressionado
pelos interessados, quando há mobilização, reivindicação.
Mudanças ocorridas no Estado
e
na sociedade civil
na forma de conceber e viabilizar a assistência, as políticas sociais
contribuíram para o delineamento do sistema de proteção social brasileiro como
denomina Draibe. Iniciando nos anos 30, com Getúlio Vargas e estendendo-se aos
anos 80, políticas, programas e serviços sociais assumem novo formato na agenda
do governo em relação ao enfrentamento da questão social. Passam a integrar a
agenda da Reforma do Estado, devido às demandas da sociedade por justiça social
e pressões oriundas de mobilizações corporativistas e clientelistas. Isso
contribuiu para um reordenamento do Estado de Bem Estar Social, para a
construção de um sistema de políticas sociais - limitado, ineficiente – mas que
se consolidou mesmo sendo imperfeito e distorcido.(Draibe, s/d). As mudanças
ocorreram na dinâmica, nas contradições e conflitos que permeiam a sociedade
brasileira. Não poderia ser diferente, pois a política social é um objeto
eminentemente dialético, contraditório, só podendo ser compreendida no
confronto com o poder do Estado capitalista.
Os anos 80 foram palco de muitas lutas políticas, de
defesa pelos direitos sociais, políticos e econômicos. Redesenhou-se um
processo de transição democrática que produziu uma nova configuração no sistema
brasileiro de proteção social apontado, sobretudo, na Constituição Federal de
1988. Nesse sentido, pensar a assistência requer considerar o novo cenário
social, político e econômico do Estado, onde estão imbricados novos valores,
direitos, formas de governar, atores. Noutras palavras, considerar suas
múltiplas relações. O que mudou após a democratização
do país, a Constituição Federal (CF) de 1988, a aprovação da Lei Orgânica de
Assistência Social (LOAS) em 1993?
A Constituição Brasileira expressa
um novo paradigma de Assistência Social, considerada como “
Direito do Cidadão e Dever do Estado”, assumindo assim o caráter de
política pública, integrante da Seguridade Social, juntamente com a saúde e a
previdência. A promulgação da LOAS (Lei
nº 8742, de 07 de dezembro de 1993)
normatizou o disposto nos artigos 203 e 204 da Constituição,
redirecionando suas bases em novas
diretrizes, a
descentralização e a
participação popular e objetivos, como assegura o texto constitucional
.
Os avanços
político/jurídicos, na concepção da assistência não significaram uma
implementação espontânea (automática) da referida política nas instituições, a
dinâmica das entidades caminham lentamente em direção a mudança de paradigmas,
sendo permeada por conflitos e resistências. Contudo, a legislação é um
importante instrumento político para sua efetivação, pois está garantido em
lei, o que requer dos atores envolvidos um conhecimento e comprometimento
ético/político com essa nova forma de fazer assistência - trabalhando com e não
para a população.
Devido traços
historicamente demarcados (regime militar) por ações políticas autoritárias/
centralizadoras do Estado Brasileiro, incluindo diversos governos, torna-se
imperativo na nossa sociedade um processo de reconstrução participativa e
democrática que considere o saber e o fazer popular como elementos
indispensáveis na consolidação deste novo paradigma da política de assistência
social. Nesse sentido, a assistência - política pública - deve ser analisada
como um dos elementos integrantes no processo de configuração do Estado
Democrático de Direitos, lentamente construído por movimentos da sociedade
civil e governo, através de acirradas lutas e disputas políticas, evidenciando,
inclusive, os interesses econômicos defendidos por grupos políticos e de uma
forma mais ampla do capital.
A
sociedade civil deve exercer o controle democrático sobre o Estado,
participando, cobrando, exigindo seus direitos. Mas, como fazer isso? De um lado, segmentos significativos da
sociedade civil, uma grande maioria, não tem acesso à informação, desconhece
seus direitos e os espaços institucionais de participação. Portanto, está
geralmente excluída do processo de organização e mobilização popular. Do outro,
a gestão pública deve assegurar o espaço nos canais de participação e controle
público, mesmo que estes sejam ocupados por aqueles já estão incluídos, os que
de alguma forma tem voz – fazendo ecoar suas demandas. O governo municipal de Porto Alegre tem
procurou imprimir um direcionamento popular, através da consolidação da
articulação com representantes da sociedade civil nos espaços já legitimados e
institucionalizados, como fóruns e conselhos municipais.
Nova
concepção de assistência social
O novo paradigma da assistência social ultrapassa os
limites do padrão convencional, tradicional, assistencialista vigente.
Configura-se como uma política social que pode efetivamente contribuir para a
consolidação dos direitos sociais e sua universalização. Esta nova visão está
sendo construída, inclusive, na relação entre profissionais da assistência
social e usuários desta política, proporcionando ações diferenciadas com novas
formas de atendimento e participação popular. Não basta uma adesão teórica a
uma nova concepção de assistência social, a um novo projeto político de
sociedade sem que haja um comprometimento ético/político dos atores
responsáveis por sua concretização. A
assistência deve ser a expressão de um projeto coletivo.
A construção de um novo projeto se produz no embate
político traduzido no discurso e ação de diversos atores de entidades
responsáveis pela assistência social. Contudo, não se rompe abruptamente com um
modelo, há sempre resquícios do assistencialismo, convive-se com diferentes
modelos (antigo e o novo) simultaneamente, - uma contradição necessária entre
atores, ações e ideologias - na disputa política por novas formas de enfrentamento
da pobreza, via a articulação das várias políticas públicas cujo modo de
atuação foi expresso nos últimos anos.
A PROPOSTA DE REDE A PARTIR DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
O sujeito/objeto de nossas inquietações são as ações
políticas na área da assistência no município de Porto Alegre, cuja gestão
municipal vem garantindo nos últimos anos um processo de participação popular.
Foi criado em 1993 o Fórum Municipal de Assistência Social e organizada a I
Conferência Municipal de Assistência Social onde se aprovou o Plano Municipal
de Assistência Social e deliberou-se sobre o modus operandi de Assistência Social, centralizada em três pontos
principais: concepção de Assistência
Social; Sistema Municipal de
Assistência Social e Gestão da Assistência Social. Todo esse envolvimento delineou-se no processo
de debate da sociedade em consonância com o projeto democrático-popular,
assumido pelo governo.
A
Fundação de Assistência Social e Cidadania
(FASC), órgão gestor da política de Assistência Social definiu as bases
estratégicas com o objetivo de garantir a democratização da cidade, a
qualificação dos serviços prestados e a qualificação das relações com setores
organizados da população. Como a característica da Administração do Municipal e
proposta de governo, investiu-se em aprofundamento do
perfil popular junto à população não organizada, bem como a
formação de rede de prestação de serviços, firmando parcerias que
comprometessem as três esferas de poder, entidades privadas.
Conforme prevê a Lei Municipal nº 7414 de 1994 a FASC
passa ser responsável pelo planejamento,
coordenação, supervisão e execução das atividades das unidades operacionais a
seu encargo, em consonância com o Plano Municipal de Assistência Social e de
forma a enquadrar-se ao desenvolvimento social e às aspirações da comunidade
onde estão inseridas; articular e
coordenar a política de assistência social em Porto Alegre, bem como gerir os
serviços, benefícios e programas assistenciais em consonância com a Lei
Orgânica de Assistência Social - LOAS; garantir a execução do Plano Municipal
de Assistência Social através da articulação dos órgãos governamentais e
não-governamentais de Assistência Social.
A
Fundação tem um novo direcionamento no período de 1997-2000, conforme
deliberação da III Conferência Municipal de Assistência Social para
consolidação da política municipal de assistência. Desencadeia-se na fundação um processo de
reordenamento institucional. Técnicos da
instituição debatem a questão da descentralização, a concepção e diretrizes da
assistência social como política pública vinculada à seguridade social.
Configura-se, então, a gênesis do novo modelo gerencial descentralizado que
deveria considerar a capacidade criativa das comunidades e a própria ação dos
técnicos visando a constituição da rede de assistência. Segundo Curtinaz (2002)
o modelo de gerenciamento descentralizado
nos coloca na fronteira do tencionamento, com a responsabilidade de representar
a institucionalidade sem perder a criticidade de nossas ações. (p.101) A
abrangência das gerências regionais respaldava-se na regionalização já
existente do Orçamento Participativo e buscavam interlocuções que pretendiam
tecer uma rede de atendimento, segundo Baptista (2000), o atendimento em rede
se constitui pela articulação de um conjunto amplo e dinâmico de organizações
diversas, em torno de interesses comuns, que realizam ações complementares em
um processo unitário coerente de decisões, estratégias e esforços.
A
FASC é responsável pela coordenação e execução dos programas e serviços de
atendimento a população em situação de vulnerabilidade social desenvolvidos nos
Centros Regionais de Assistência Social
,
nos módulos
de assistência social e em organizações não governamentais conveniadas com o
município.
Para
a execução da política foram criadas duas redes de serviços, denominadas de
rede básica e rede especializada.
A rede básica da FASC é a rede de serviços
que executa programas e serviços destinados à população que mantém laços
familiares e comunitários, mas que está econômica e socialmente vulnerável. Há nove centros regionais de assistência
social e 14 módulos de assistência social e aproximadamente 250 organizações
não governamentais conveniadas
.
Segundo Guimarães (2002) esta rede insere-se nas comunidades e organiza-se regionalmente
através dos Centros Regionais de Assistência Social e em módulos de assistência
social. Outra modalidade é a rede especializada que atende a população que está
em um maior grau de vulnerabilidade social, como crianças e adolescentes em
situação de rua e adultos moradores de rua (...) Oferece atendimento de maior
complexidade, exigido por esse público-como os abrigos – em locais
estratégicos.
O fortalecimento e consolidação da rede de
atendimento descentralizada dos serviços constituíram-se elementos importantes
no processo da implementação da assistência proporcionando visibilidade à
política municipal de Assistência Social. Um dos principais programas hoje
desenvolvidos é o Programa Família –
apoio e proteção, integrado pelo NASF – Núcleo de Apoio Sócio - Familiar,
implantado em 1994 é executado em nove centros regionais de assistência social
e pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), implantado pela
governo federal em 2000 é executado em Porto Alegre pela FASC.
Esta
é uma das estratégias da FASC a descentralização da política de assistência
social através de gerências regionais que buscava uma melhor articulação com os
seguimentos sociais, usuários da política, entidades não governamentais e
governamentais. Segundo Guimarães (2002) esse modelo deveria responder a uma
identificação geográfica, administrativa, política e pedagógica que
proporcionasse uma aproximação com instituições gerenciadoras dos serviços de
assistência.
O
objetivo do governo ao implantar a política de Assistência Social era romper com o assistencialismo, práticas
paternalistas e conservadoras historicamente construídas e consolidadas nas
políticas municipais, e ao mesmo tempo impulsionar práticas sociais orientadas
por este novo paradigma da assistência, principalmente concernente à
participação popular no processo de implementação, gestão e controle das ações
de Assistência Social. Para tanto, era necessário garantir a hegemonia das
forças políticas que apostavam em formas diferenciadas de enfrentamento da pobreza,
garantindo a participação da população e contribuindo para sua emancipação
social, ou seja, população como ator chave do seu processo de libertação. A questão do enfrentamento da crise
brasileira não é só romper o emergencial na direção da efetivação de políticas
sociais, mas de ter em conta principalmente às bases dessa consolidação. É
trazer as forças populares para o cenário da decisão (Sposatti et al, 1987
p.25). A participação popular tem ocorrido através do envolvimento em canais de
participação da comunidade como o Fórum de Orçamento Participativo, as
Comissões Regionais de Assistência Social. Todos estes com representantes
eleitos diretamente pela comunidade.
A
EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO PARA O FORTALECIMENTO DAS REDES
A
inserção das forças populares no cenário de tomadas de decisões vem se
construindo gradualmente. Percebe-se uma fragilidade histórica no processo de
participação popular nos governos, considerando, sobretudo, os ranços
autoritários de um passado recente cuja cultura e conjuntura favorecia a
submissão, a obediência ao Estado e não a participação social. Contudo, o
processo de democratização não garante por si só a participação. O povo, os
interessados precisam ter uma ação pró-ativa, uma cidadania mais participativa,
reclamando, exigindo seus direitos e cumprindo seus deveres. Cobrar do Estado, fiscalizar suas ações, ou
seja, exercer o controle social é dever do cidadão. Para tanto, é necessário
produzir e disseminar informações.
Segundo
Medeiros (2000) a informação é componente
fundamental da qualidade e eficácia das ações individuais e coletivas, e mais
do que isso, das eloqüentes dimensões da publicidade e do controle social
quanto ao fazer público. (p.125). As informações, sobretudo, as mais
técnicas, complexas devem ser socializadas com o povo, ter um alcance social,
para que aquele tenha condições de participar, opinando, decidindo,
controlando, o que poderá ser feito, principalmente, com informações. Esta gera
possibilidades de uma participação popular diferenciada, capaz de argumentar,
questionar. Sem informação reproduz-se o que Demo (2002) denomina de pobreza
política - a condição de massa de manobra do pobre - ou por ele não saber
criticamente que é pobre, ou por se ver como objeto de cuidados da elite, do
governo e Estado, ou ainda, por não saber realizar um efetivo controle
democrático sobre mercado e Estado.
Participação
requer consciência da sua importância. Portanto, é preciso conhecer, acessar,
questionar, se informar para se ter conseqüentemente um envolvimento.
Para dentro e fora da nossa instituição, informar tem de ser concebido
como sinônimos dos termos incluir, integrar, motivar, qualificar e
responsabilizar. Medeiros (2000:126) Nesse
sentido, o conhecimento transforma, modifica a visão e a ação do sujeito, não
há neutralidade. O povo precisa se ver
como sujeito construtor de sua própria história, não ficar esperando do governo
a solução para seus problemas. Isso não significa retirar do Estado seu papel
social. Assim com já se disse, ninguém
educa ninguém, pode-se dizer – ninguém emancipa ninguém. O homem é construtor
de sua própria libertação, embora ele não faça isso sozinho, ele precisa
desejar se emancipar.
No
seu extremo, politicamente pobre é quem espera a emancipação dos outros,
sobretudo dos que a impedem. Primeiro erro é espera a emancipação dos outros,
mantendo-se objeto do cuidado dos outros e deixando de perceber que o verbo
emancipar só pode ser reflexivo, ou seja, emancipar-se. (...) Segundo erro é
esperar a emancipação logo dos que a impedem, enredando-se na malha da
incapacidade de perceber criticamente que a pobreza é injusta, imposta,
cultivada. (Demo, 2002:78)
A política de assistência social deve
objetivar uma emancipação do seu público alvo. Contudo, por si só ela não
garante isso. É necessária a construção de um projeto ético político coletivo,
cujos fundamentos estejam ancorados numa visão libertadora, problematizadora
que tenha a população como sujeito, configurando-se um processo de interação
entre diferentes atores numa relação edificante de informação e conhecimento,
onde a população faz a leitura da sua própria realidade. Pois como já foi dito,
sem informação não é possível participação. Esta deve circular os espaços
institucionais possibilitando tratar de várias dimensões na área da assistência
passando pela tomada de decisão até sua implementação. Investir na informação e fazer dela um eixo de gestão, não significa
dar a conhecer um corpo de dados ao qual só determinados setores privilegiados
têm acesso. A dificuldade inicia na
inexistência de um sistema de informações consolidado (Medeiros, 2002:124)
Uma visão emancipatória procura maior relação e
diálogo, com os saberes locais e os diferentes atores, é realizada em um
contexto histórico e social, que pressupõe o conhecimento da realidade. Além disso, quando o trabalho é executado em
rede, trata-se de buscar a superação da fragmentação das atuações sociais dos
sujeitos e suas implicações para a vida do homem e da sociedade. O processo
ligado a uma visão emancipatória luta contra formas instituídas e os mecanismos
de poder e alienação, deslegitimando as formas institucionais, propiciando
assim a argumentação, a comunicação e a solidariedade, bem como o
contraditório.
Para compreender uma visão emancipatória e a
concretização do trabalho em rede é necessário um processo de vivência
democrática à medida que todos os segmentos sociais que participem, construindo
assim possibilidades de modificar sua própria realidade, devendo apostar em
novos valores, respeitando a singularidade do sujeito, em vez da padronização,
em vez de dependência, construir a autonomia; em vez de isolamento e
individualismo, o coletivo e a participação; em vez da privacidade do trabalho
individual, propor que seja público; em vez de autoritarismo, a gestão democrática;
em vez de cristalizar o instituído, inová-lo; em vez de qualidade total,
investir na qualidade para todos.
Por um lado, a visão emancipatória é um meio que
permite potencializar o trabalho colaborativo e, portanto fortalecer uma rede
de compromisso com objetivos comuns; por outro, sua concretização exige
rupturas.
Conceitos
de rede, comparações, VISÕES.
O processo de implementação de rede de assistência no
município de Porto Alegre expressa um modelo ainda embrionário de compreensão
de redes, no entanto, não apresenta uma noção da real complexidade da atuação
em rede. A necessidade de construir um modelo para o enfrentamento das nuances
do capitalismo, principalmente relacionadas à exclusão social dos direitos
básicos do “cidadão” não expressa em sua complexidade os conceitos de rede. Na
compreensão das redes, precisamos considerar ainda os aspectos geográficos,
sistemas produtivos, circulação de produtos, circuitos de cooperação, pois suas
atuações são importantes para compreendermos a complexidade da rede.
Para Santos (1996), as cidades são definitivamente
como pontos nodais, onde estes círculos de valor desigual se encontram e
superpõem. A rede urbana se torna, assim um fenômeno, ainda mais complexo,
definido por fluxos de informação hierarquizados e fluxos de matéria, que nas
áreas mais desenvolvidas não são hierarquizantes.
Portanto, as redes contem elementos como informações,
mensagens e ordens, hierarquizados ou não. Estas questões nos traduzem as
diversas possibilidades que se fazem presentes sob o prisma da assistência
social enquanto política publica e a necessidade das conexões e articulações de
uma pressuposta atuação em rede, problemas estes que extrapolam o território
local, problemas gerais, relações cidade-campo; relações interurbanas; e organização
interna das cidades e os novos papéis da metrópole.
A atuação em rede perpassa e ultrapassa o limite
local, o que não implica possibilidades do surgimento de sistemas que garantam
em alguns aspectos mecanismos compensatórios, capazes de dirimir as relações do
capital e trabalho.
O anseio e a necessidade dos agentes políticos
instituírem processos para qualificarem as ações das políticas públicas, os
levou a implementação de conceitos restritos ao senso comum. Isto não significa
o desmerecimento da iniciativa, mas a constatação de que muitas vezes as ações
políticas desconsideram os conceitos técnicos, prevalecendo o político, quando
deveria haver uma complementariedade. Cabe ressaltar que a incitativa garante a
intenção dos agentes de tecer uma rede que vai além dos serviços de
assistência, ainda que, “isentos” de conotação teórica cientifica. Segundo
SOUZA SANTOS (2002) é uma outra forma de olhar, o senso comum, não inferior à
ciência, mas como parte integrante da mesma. Ressalta ainda suas virtualidades:
a praticidade, a transparência, a evidência, a indisciplinaridade e
espontaneidade desta noção. Neste sentido, ocorre o que autor citado denomina
de senso comum esclarecido.
É importante ressaltar que a proposta de rede em Porto
Alegre é uma forma de atuação diante da realidade local, de compensar a inércia
do Estado. Contudo, a visão de totalidade, de mundo, da configuração da
sociedade quando desconhecida afeta a intervenção da ação social dos agentes
que implementam a política. Quando eles se vêem isolado da natureza, da
compreensão global, do espaço local, dos aspectos culturais e econômicos,
considerando-se como algo exterior a eles, estão separando o sujeito do próprio
ambiente e de sua realidade, o observador do fato observado e desenvolvendo um
olhar viciado, dominante e linear que divide, separa e reduz. Isso não
contribui para o entendimento de atuação em rede, de sua complexidade, da
própria realidade.
A modernidade da
ciência, segundo Latour (1994) evidencia um corte epistemológico entre
conhecimento exato e exercício do poder, natureza e cultura insistindo num
isolamento, isto é, separando os homens, as coisas e os discursos. Contudo, outros olhares têm se lançado sobre
o real, entre estes se pode situar as redes. É o que autor denomina de TECIDO
INTEIRIÇO, das naturezas e culturas ao mesmo tempo real, social e narrada. As redes são ao mesmo tempo reais como a
natureza, narradas como discurso, coletivas como a sociedade. (op.cit. 11)
O foco das redes é a interação, unidade, totalidade que está vinculada à
noção de complexidade e de dialética. A dialética, segundo MARX apud SEVERINO
(1986), aponta que a realidade vai se produzindo permanentemente através de um
processo de mudança determinado pela luta dos contrários, por força da contradição
que trabalho o real, no seu próprio interior.
De outro lado, o
princípio da complexidade é juntar, unir, dialogar, comunicar distintas
dimensões como a física, biológica, cultural, sociológica, histórica. Como
afirma Morin (2003) a natureza da ciência é ao mesmo tempo social e política,
física, biológica, cultural, social histórica de tudo que é humano (p.31).
Complexus é tecido junto.
As noções de Redes em Latour e de Complexus
em Morin coincidem significando inteireza, totalidade, unidade, aquilo que não se pode separar. Tecido junto
= sentido inteiriço.
Não há unanimidade
quando se fala em redes. Todavia percebe-se a intenção da idéia de tecido junto, de interação. Como se aponta na definição a seguir sobre rede.
Trata-se de um tecido de relações e interações que se
estabelecem com uma finalidade e se interconectam por meio de linhas de ação ou
trabalhos conjuntos. Os pontos de rede podem ser pessoas, instituições ou
grupos. Os diferentes tipos de redes têm uma função na vida de cada pessoa(...).
A assistência social como política
pública está imersa num conjunto de relações e deve ser analisada neste prisma.
As redes sociais possibilitam a ação solidária em situações adversas e
diversas, podendo ser viabilizada pelo Estado e/ou sociedade civil, mas não se
restringem as dimensões sociais. As redes de colaboração solidária podem ser
consideradas sob os aspectos econômicos, político e cultural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Optamos referenciar a implementação da rede de assistência social em
Porto Alegre, por se uma iniciativa inovadora e com o caráter de romper com a
visão fragmentada das ações das políticas públicas. Para isso, tomamos como
referência conceitos que vão do senso comum a complexidade de redes. A idéia é
de fomentar o debate sobre a constituição de redes de assistência, tendo esta
como propulsora de um novo modelo de intervenção social. Buscando a articulação
e responsabilização dos agentes que viabilizam as demais políticas. Os autores
com os quais dialogamos apontam para uma compreensão de redes que perpassa o
espaço local, e conduz para um processo de emancipação do sujeito contribuindo
para provocar uma ruptura de visão conservadora da ciência.
O modelo implementado no
município de Porto Alegre apresenta uma configuração denominada como redes de
serviços da assistência social. Portanto, trata-se uma concepção embrionária,
necessitando de uma maior articulação entre agentes, sujeitos, espaços
geográficos, questões culturais, econômicas, políticas, e sociais. A proposta
da assistência social com funcionamento
em rede pressupõe, segundo DURO GUIMARÃES (2002), atuação
conjunta da concepção de direito enquanto cidadão, do serviço como uma forma de
enfrentamento as questões sociais e a integração das políticas e da própria
comunidade em sua relação com outras entidades. a transforma
O termo rede utilizado na política
municipal de assistência passa a idéia de cooperação, de existência de
serviços. Trata apenas da noção de articulação dos serviços e não pressupõe o
conceito mais complexo de rede. A noção que permeia o entendimento de rede no
município de Porto Alegre reforça a importância da assistência social como uma
política publica de dever do Estado e direito do cidadão. Está condicionada a
uma estrutura, política, ideológica de Estado e articulação com os diversos
segmentos sociais. Justifica-se a intenção, pois a política é a tradução dos
anseios e necessidade de determinados segmentos sociais, através de propostas
inovadoras. Por isso, a idéia da necessidade de conexão e articulação destes
segmentos propõe um novo modelo para o enfrentamento da pobreza e, por
conseguinte, a emancipação do sujeito.
Construir novos paradigmas e conceitos passa por um debate cultural e
ideológico na sociedade para romper com a lógica da estrutura capitalista que
reforça o individualismo, onde os sujeitos são tratados como mercadoria. A
idéia e iniciativa de redes para os serviços de assistência social propiciam um
espaço de polemização no conjunto da sociedade que contribui para a construção
de uma cidadania emancipatória. Este debate é incipiente, pois a noção de rede
deve ultrapassar o micro espaço de redes internas e locais. Objetivando tecer
uma rede de global de solidariedade para enfrentar a barbárie.
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